Categoria: O mundo dos vinhos (Page 21 of 82)

Alguns vinhos icônicos – Barca Velha

Este vinho é um fenômeno, simplesmente. Conseguiu ser mais famoso e reconhecido internacionalmente do que o – me desculpem – mais famoso produto português, o Vinho do Porto.

Para completar o quadro, o Barca e os Portos são elaborados na mesma região, o Douro.

Que audácia!

Há muito o que contar sobre este vinho, história de pessoas e de lugares.

Começamos com D. Antónia Adelaide Ferreira, a “Ferreirinha” (1811-1896), uma mulher importantíssima na história do vinho português. Abastada e generosa, sempre ajudou as famílias em necessidade e acreditava que a qualidade era o único caminho para o sucesso. Investiu na compra de terras, algumas em locais quase inacessíveis, naquela época, entre elas, o que se tornaria a Quinta do Vale Meão. Era muito inovadora para o seu tempo.

Em 1887 começa a plantar videiras enxertadas (pós-filoxera), já pensando em elaborar Vinho do Porto, o que aconteceu pouco depois, fundando a Casa Ferreira, com seus descendentes. O Vale Meão passa a ser visto como um local de excelência.

Ela tinha um sonho: produzir um tinto fino, não fortificado, coisa impensável no Douro. Este desejo só foi acontecer em 1952, pelas mãos de outro personagem importante, o Enólogo Fernando Nicolau de Almeida, que tinha as mesmas ideias de D.Ferreirinha.

Começou a trabalhar na Casa Ferreira aos 16 anos, em 1929, trazido por seu pai, então Enólogo Chefe. Em 1949, assume o posto máximo e conhece Emile Peynaud, principal winemaker de Bordeaux, que o convida para visitar o Château Calon-Segur, de onde volta para Portugal fervilhando de novas ideias para elaborar um tinto de qualidade.

Matéria-prima não lhe faltava, as uvas do Vale Meão eram formidáveis, só faltava adaptar o método francês de elaboração. Havia um importante diferencial: enquanto lagares abertos eram os preferidos na terrinha, os franceses vinificavam em cubas de carvalho e com temperatura controlada.

Em 1952, a primeira vinificação do Barca foi uma verdadeira aventura. Ainda não havia eletricidade no Meão e o gelo, necessário para manter a temperatura durante o processo, foi trazido de Matozinhos, numa viagem que durava doze horas. Além das uvas locais, outras foram trazidas da região de Meda, de solos graníticos, para dar acidez e equilíbrio.

Pronto o vinho, Nicolau de Almeida introduz mais uma novidade, deixar o vinho amadurecer por alguns anos, neste caso, sete deles. Quando foi lançado, o Barca 1952 se tornou um enorme sucesso, que se mantém até hoje.

São mais de 70 anos e apenas 20 safras foram comercializadas, a mais recente é a de 2011. Não é sempre que as uvas estão no ponto certo para um Barca.

Somente três Enólogos tiveram o privilégio de produzir este vinho: Fernando Nicolau de Almeida – 1952/1998, José Maria Soares Franco – 1998/2003 e Luis Sottomayor, atual Enólogo Chefe.

Em 1987, o Grupo Sogrape comprou a Casa Ferreira. A Quinta do Vale Meão, pertencente a um trineto da Ferreirinha, Francisco Javier de Olazabal, deixa de fornecer suas preciosas uvas, preferindo elaborar seu próprio “Barca”, o Quinta do Vale Meão, carinhosamente apelidado de “Barca Nova”.

A Quinta da Leda passou a desempenhar o principal papel no fornecimento da matéria prima, mantendo a qualidade tão sonhada por D. Antónia Adelaide Ferreira.

Resta explicar a origem do nome.

Nicolau de Almeida tinha uma frase: “É mais fácil ir a Luanda que no Meão”. Eram tempos duros, com poucos recursos e infraestrutura de transportes bastante precária. Os vinhos que precisassem atravessar o rio utilizavam uma antiga balsa, a “Barca Velha”, que um dia foi substituída. Mas o apelido ficou gravado em muitas gerações.

O corte tradicional de um Barca é composto por 50% Touriga Franca, 30% Touriga Nacional, 10% Tinta Roriz e 10% Tinto Cão. Dependendo da safra e do Enólogo, podem acontecer variações. É um vinho artesanal, constantemente testado, sendo comercializado, apenas, quando está num ponto de maturação que outros vinhos nem sonham em atingir.

Uma lenda!

Preço médio no Brasil: R$ 7.000,00 (safra 2011)

Saúde e bons vinhos!

Alguns vinhos icônicos – Pêra Manca

Vinhos famosos existem tanto no Velho Mundo quanto no Novo. Cada um ficou conhecido por diferentes razões. Uns são muito antigos e cheios de lendas, outros apresentam qualidades indiscutíveis e há, claro, os que nos contam histórias curiosas.

Tradicionalmente, Portugal tem dois vinhos famosos, o Barca Velha, produzido na região do Douro e o Pêra-Manca, da região do Alentejo, que é o personagem deste texto.

Uma bela história nos conta que no ano 1300, numa região próxima à cidade de Évora, um pastor teria presenciado uma aparição de Nossa Senhora. Peregrinos adotaram o local como destino de suas viagens, dando origem a uma capela e, depois, a um Convento da Ordem de São Jerônimo, cujos Frades plantaram os vinhedos que teriam dado origem a este vinho.

Em 1517, devido ao alto custo de manutenção, os Frades arrendam os vinhedos, que foram passando por diversas famílias. Coube à Casa Agrícola Soares, já no século XIX, recuperá-los e transformar aquele vinho em um produto de excelência, abrindo caminho para o Pêra-Manca ficar afamado.

O curioso nome é uma deturpação de “pedra manca” ou pedra oscilante, nome dado para blocos arredondados de granito que estão soltos e precisam se equilibrar sobre outras rochas. Este é o terreno típico daquela região.

A crise da filoxera dizimou estes vinhedos e a Casa Soares deixou de produzir o vinho. Em 1987, um dos herdeiros, José António de Oliveira Soares, ofereceu a marca para a Fundação Eugênio de Almeida, proprietária da Adega Cartuxa, que passou a usar o nome em seu melhor vinho, o Cartuxa Garrafeira.

Este excelente corte das castas Trincadeira, nativa de Portugal e Aragonez, nome local para a conhecida Tempranillo, já recebeu inúmeros prêmios nacionais e internacionais que o colocaram neste rol exclusivo. Só é elaborado em safras muito boas.

Outra lenda afirma que Pedro Álvarez Cabral trouxe alguns toneis do Pêra-Manca em sua viagem que resultou na descoberta do Brasil. Pero Vaz de Caminha, em uma de suas cartas, relata que um vinho teria sido partilhado com os indígenas. Teria sido o “Pêra”?

Não há como negar que este vinho tem uma forte ligação com o nosso país: somos o maior comprador deste rótulo!

Existe uma versão branca do Pêra-Manca, um corte das castas Arinto e Antão Vaz.

Preços médios no Brasil:

Branco – R$ 600,00

Tinto – R$ 4.000,00

Saúde e bons vinhos!

Cor, transparência e reflexos

Tem muita gente que não sabe o que isto significa, mesmo assim, cumpre o manjado rito de examinar o vinho, seguindo três etapas: visual, aromas e sabores.

Leigos e Enófilos menos experientes, não dão tanta importância a este exame visual, que é o nosso primeiro encontro com o que sai da garrafa. Apenas olham, não procurando especificamente por nada, mas se acharem que o conjunto não combina com suas referências…

A turma mais tarimbada demora um pouco mais nesta etapa. Não basta olhar, é preciso procurar por certos sinais para descobrir e aprender bastante sobre o que será degustado.

Para observar o conteúdo da taça, corretamente, é preciso um local com boa iluminação e um fundo branco, que pode ser facilmente improvisado com um guardanapo ou folha de papel.

A coloração deve ser homogênea, valendo para qualquer tipo de vinho. A tonalidade deve estar dentro dos limites esperados, de acordo com a casta utilizada. Tomando os tintos como exemplo, um Pinot Noir tende a ser mais claro que um Cabernet Sauvignon ou um Syrah. Alguma coisa fora desta linha acende o sinal de alerta.

Cores que tendem ao marrom, âmbar ou similar, já indicam que o produto em análise não está bom para consumo.

O segundo ponto desta avaliação é a transparência. Para observá-la, devemos colocar a taça contra uma boa fonte de luz. Mesmo um tinto bem encorpado vai apresentar algum grau de translucidez.

O que não deve ser encontrado:

– Opacidade – indica que o vinho pode estar contaminado ou mesmo sofreu uma segunda fermentação já na garrafa, sinal de pouco cuidado na elaboração;

– Elementos em suspensão – podem variar desde pedaços da rolha até restos das leveduras usadas. A aparência é turva, dando a impressão de um vinho sujo. Dependo de exames olfativos, uma boa decantação ainda poderá salvar um vinho assim;

– Espuma, bolhas ou efervescência – isto só é desejável nos espumantes. Em vinhos tranquilos é defeito grave e deve ser descartado;

A terceira e última fase do exame visual é a busca pelos “reflexos”, uma estreita faixa que se observa no arco que formado entre o líquido e a lateral da taça, quando a inclinamos, como na foto que ilustra este texto.

À medida que um vinho envelhece, sua cor vai mudando. Um tinto jovem apresenta uma coloração denominada Rubi. Quando estiver mais maduro, esta mesma coloração tende a um Grená. Ao fim da sua vida, a cor será marrom ou tijolo, dependendo da casta.

O exame do reflexo ou nuance vai mostrar em que fase da vida o vinho está. Se jovem, reflexos de outra coloração não serão notados. Se naquela estreita faixa aparecerem tons mais castanhos ou um pouco mais escuros que a cor original, é sinal que o vinho já evoluiu.

Não é uma tarefa fácil exigindo muito treino, mas é um ótimo indicador. Para ajudar a entender as cores básicas, listamos as mais comuns:

Tintos leves – rubi (Pinot Noir, Gamay)

Tintos médios – grená, púrpura (Cab. Franc, Tempranillo, Cab Sauvignon)

Tintos encorpados – vermelho escuro (Malbec, Syrah)

Brancos leves- amarelo palha (pinot grigio)

Brancos médios – amarelo ouro (Sauvignon Blanc, Chardonnay, Alvarinho)

Brancos encorpados – dourado – (Sauternes, Semillon)

Dependendo da região, estas indicações podem variar discretamente. Os Pinot da América do Sul tendem a ser mais escuros que os da Borgonha, e assim por diante.

Que tal dedicar mais tempo ao exame visual?

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS

Imagem de KamranAydinov no Freepik

Notícia da semana: derramamento de vinho

Acho que esta foto, ou similar, esteve presente nas manchetes dos jornais mundo afora. Afinal, foram derramados algo em torno de 2.2 milhões de litros de “um” vinho ou quase três milhões de garrafas. Dois tanques de armazenamento teriam se rompido. As razões ainda não foram explicadas.

Colocamos o artigo indefinido – um – entre aspas, propositadamente, para chamar a atenção: não é um vinho como aqueles que estamos habituados a consumir. Trata-se de uma vinificação específica para ser destilada, ou seja, transformada em aguardente vínica ou mesmo álcool farmacêutico.

A empresa responsável pelo vazamento foi a Destilaria Levira, situada em São Lourenço do Bairro, Anadia, região da Bairrada. Existe desde 1923, e tem uma reconhecida linha de produtos, que abrange desde diversos tipos de aguardentes, licores e produtos farmacêuticos, entre outros.

A empresa é certificada como sustentável e, rapidamente, assumiu total responsabilidade sobre o episódio. Não houve vítimas. A grande preocupação era que este volume de vinho não atingisse o Rio Certima, o que foi evitado pela rápida ação da empresa e dos órgãos de controle ambiental. O despejo foi desviado para um terreno vazio de onde foi dragado e enviado para uma estação de tratamento de resíduos.

Quem teve o maior dano foi uma residência: seu porão ficou inundado. A Destilaria assumiu todos os custos.

Curioso notar que nesta mesma semana, outra notícia do mesmo calibre chamou a atenção dos Enófilos: A França pretende transformar cerca de 300 milhões de litros de vinho em Etanol.

O consumo de vinhos naquele país teve acentuada queda e o volume que será convertido foi considerado como excedente. Há uma outra versão que está sendo muito citada: esta operação teria como principal objetivo garantir os altos preços de seus grandes vinhos.

Derramamentos de vinhos são eventos bastantes frequentes no mundo do vinho, embora nem sempre causem o impacto deste último. Aqui estão alguns que conseguimos lembrar:

Em junho deste ano, um tanque se rompeu na vinícola espanhola Vitivinos, derramando 50 mil litros de bons vinhos;

Em abril de 2016, alguns vinhateiros franceses sequestraram cinco caminhões tanques carregados de vinhos espanhóis. Abriram os tanques e desperdiçaram 68.000 litros de vinhos, em protesto pela manobra de trazer vinhos não franceses para o mercado. Aparentemente seriam usados para fraudar vinhos locais;

Em 2012, um empregado que foi demitido de uma vinícola italiana fez uma ato de sabotagem, abrindo as válvulas de esgotamento de 10 dornas de armazenamento de um Brunello di Montalcino, deixando ir para o ralo, literalmente, o equivalente a 80 mil garrafas.

Procurando podemos encontrar mais eventos semelhantes. Motivos não faltam e acidentes podem acontecer.

Mas é lamentável, sempre.

Saúde e bons vinhos!

Vegetarianismo e o vinho

Pode parecer estranho, mas o vinho não é, necessariamente, um produto estritamente vegetariano e menos ainda vegano, uma filosofia de vida que vai muito além de uma dieta isenta de alimentos de origem animal.

Embora em sua composição só existam uva e leveduras, ambos 100% vegetais, nos diversos processos de elaboração de um vinho podem ser empregados produtos de origem animal. Acreditem, a lista é grande e, em alguns casos, altamente insuspeitos.

Depois de fermentado, o mosto tem aparência muito turva com muita coisa em suspensão no líquido. São restos das cascas das uvas, algumas proteínas decorrentes da reação e resíduos das leveduras que precisam ser removidos para assegurar uma boa aparência e qualidade de aromas e sabores ao final.

Um dos produtos mais simples e antigos usados no processo de clarificação de um vinho é a clara de ovo, que não se enquadra nas regras da dieta vegetal. Além dela, mais subprodutos de origem animal podem ser usados: sangue, medula óssea, gelatina, cola e óleo de peixe, quitosana e caseína.

Todos estes produtos citados cumprem a mesma função: auxiliar na filtração e clarificação do vinho. A escolha fica a critério do produtor.

Existem alternativas que se enquadram nas regras do vegetarianismo e veganismo. A primeira e quase óbvia, é não filtrar o vinho, optando por deixá-lo em repouso por um longo tempo, decantando e sedimentando. Produtores de vinhos naturais seguem esta linha. A aparência pode não ser a mais comercial, mas o vinho está com tudo que lhe pertence dentro da garrafa.

Outra técnica emprega produtos de origem mineral como bentonita, sílica gel, caulim, calcário e de origem vegetal como algas e caseína obtida a partir de plantas. Algumas destas técnicas tem influência direta no preço final do vinho.

Para o grupo que segue a filosofia vegana, ainda há mais pontos a serem considerados. Algumas rolhas de cortiça são produzidas a partir de resíduos aglomerados com uma cola de origem animal. O encapsulamento das garrafas, se feito com cera de abelhas, é mais um item a ser observado. Os que seguem este regime de forma mais restrita se preocupam, também, com o manejo do vinhedo: nada de fertilizantes de origem animal.

Na legislação brasileira não há nenhuma obrigatoriedade de mencionar se um vinho é vegetariano ou vegano. Entretanto, muitos produtores, que já perceberam um bom potencial neste mercado, incluem estas informações em seus vinhos, seja no rótulo ou contrarrótulo.

A Sociedade Vegetariana Brasileira criou, em 2013, o “Certificado Produto Vegano SVB”, um programa de reconhecimento já adotado por boas vinícolas nacionais, que exibem o selo (foto) em seus produtos.

Lojas on line costumam colocar um marcador, ao lado da foto de cada produto, indicando se é adequado para consumo por quem segue uma destas dietas. Nas lojas presenciais, o melhor caminho é perguntar ao vendedor.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto por Lisa Davies no StockSnap

« Older posts Newer posts »

© 2025 O Boletim do Vinho

Theme by Anders NorenUp ↑