Puxando pela minha memória, este produto é a mais antiga recordação de algo que poderia ser chamado de vinho medicinal, que eu provei.
Tinha vinho na sua formulação: Fosfato de cálcio monobásico; Peptona; Extrato de quina mineira; Extrato de genciana; Tintura de casca de laranja amarga; Vinho virgem e Vinho tipo Porto.
Era um remédio. Não era ruim. Aconselhavam, para os adultos, 2 a 3 cálices por dia, antes das refeições.
Harmonizar?
Nem pensar.
A história nos mostra que as tentativas de usar vinhos como um medicamento são bem antigas. Pesquisas arqueológicas já identificaram que uma mistura de ervas e resinas de árvores eram adicionadas ao mosto de uva fermentado, com a finalidade de tratar diversas doenças. Isto no Egito, há uns 5.000 anos.
Uma outra utilização, pouco conhecida, da nossa bebida favorita é como antisséptico, por conta do teor alcoólico presente. Não existia tratamento da água. Para garantir alguma potabilidade, faziam uma mistura de vinho e água.
O poder de desinfecção do vinho também foi muito utilizado nos exércitos Gregos e Romanos. Era comum lavarem as feridas de batalha com vinho, assegurando uma cura mais rápida.
Hipócrates, o pai da medicina, era um defensor do vinho como um medicamento. Pensavam, como ele, alguns reis da Babilônia, médicos Persas e Chineses, religiosos católicos e citações sobre o poder desta bebida podem ser encontradas até no Talmud:
“Onde falta vinho, as drogas são necessárias”.
Apesar do longo histórico do uso medicinal do vinho, onde podem ser incluídos temas bem atuais como o badalado Paradoxo Francês, a dieta mediterrânea ou a bem recente descoberta, espanhola, atestando que o vinho seria um bom aliado na desinfecção bucal, por conta dos polifenóis, nunca existiu consenso sobre estas propriedades curativas.
Pelo contrário, assim que aparece uma novidade nesta área, surge uma enxurrada de desmentidos.
Mesmo com tudo isto, alguns produtores nunca desistiram de oferecer, em seus portfólios, um tipo de vinho composto que descende de alguma fórmula farmacêutica, com fins curativos.
Vinhos quinados são os mais comuns. Bastante populares em Portugal, inspirou versões brasileiras. O tradicional produtor Ramos Pinto é um dos nomes mais conhecidos: sua versão mistura vinho do Porto com quinino.
O slogan é bem original: “conhecido por suas virtudes salutares”.
Itália e Espanha, com seus vermutes, também entram nesta lista.
Talvez seja a infusão de ervas e vinho mais próximas das antigas fórmulas dos boticários.
Simplesmente deliciosos e com propriedades curativas, até hoje.
No Piemonte, um Barolo Chinato, que já não leva mais quinino apesar do nome, é um aperitivo de alto nível, com preços perto do proibitivo.
E não pense, você, que é qualquer um que fabrica uma joia destas. Eis alguns nomes: Pio Cesare, Giacomo Conterno, Bartolo Mascarello…
Um derivado do vinho tem fama de ser poderoso regulador da saúde humana: os destilados, como o Conhaque, o Armanhaque ou, simplesmente, um Brandy.
Pode parecer inverossímil, mas alguns médicos ainda receitam uma dose de brandy para baixar a pressão sanguínea e estimular o coração. Já foi reconhecido como uma boa medicação para a Peste Negra (1347 a 1351), a mais devastadora pandemia, com um total estimado de 200 milhões de óbitos.
A ciência moderna confirma que esta bebida é rica em antioxidantes e polifenóis, atuando diretamente no aumento da imunidade e na redução de inflamações. A presença do ácido Elágico, um polifenol, e de outros fito nutrientes, têm sido aceita como grande aliada no combate ao câncer.
Além do vinho, existem outras bebidas, alcoólicas ou não, às quais se atribuem propriedades medicinais.
Apenas a título informativo, vamos listar as mais conhecidas:
– Licor Chartreuse;
– Absinto;
– Amer Picon (um aperitivo tipicamente francês);
– Angostura Bitters;
– Gin e Tônica;
– Hot Toddy (whisky, mel, limão, gengibre, noz moscada, cravo e canela);
– O coquetel Dark and Stormy (rum escuro e cerveja de gengibre); (*)
– Coca Cola (foi criada por um farmacêutico em 1885)
Já tomou seu “remédio” hoje?
Saúde e bons vinhos!
(*) O popular Moscow Mule é uma variante deste drink: usa Vodka em lugar do Rum.
Colaborou Pedro Arthur Sant’Anna, sugerindo a pauta.